terça-feira, 30 de outubro de 2012

Amados irmãos, prontos para entrar no Castelo Interior?


Castelo Interior. Talvez seja este o símbolo que melhor representa Santa Teresa e pelo qual ficou ligada para sempre à cultura. Ela utiliza este símbolo para representar a alma (a pessoa e a sua interioridade) “ofereceu-se-me considerar a nossa alma como um castelo…”

A este castelo, da Santa, não lhe falta nada e assim nos mostra que tem uma cerca que é o corpo, uma porta que é a oração; os habitantes principais são Deus e o homem. Mas há mais gente: vassalos e guardiões, que a Santa compara aos sentidos e às potências da alma (memória, inteligência e vontade). E, como todo o Castelo, conta com os seus inimigos que se refletem nos vermes e animais, nas coisas peçonhentas e nos demônios.

Finalmente este castelo conta com os aposentos da alma que são como as diversas moradas do Céu, onde habita Deus, “um paraíso onde Ele tem as suas delícias”. As moradas deste castelo encontram-se “umas no alto, outras em baixo, outras aos lados; e, no centro e meio de todas estas, tem a principal, que é o compartimento do palácio onde está o rei”.

Diante do panorama deste castelo apresentam-se-nos três alternativas: Destruí-lo, que equivale à perdição total da pessoa. Admirá-lo e viver fora dele, o que corresponde a viver na mediocridade e no pecado. Ou nos decidirmos a conquistá-lo, para viver unidos a Deus.
Para aprofundar este símbolo, mergulharemos na leitura do livro Castelo Interior, de Santa Teresa de Jesus.

Fonte: http://teresadejesus.carmelitas.pt/noticias/noticias_view.php?cod_noticia=108



quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Mergulhemos...





1. Onde é que te escondeste,
Amado, e me deixaste com gemido?
Como o cervo fugiste,
Havendo-me ferido;
Saí, por ti clamando, e eras já ido.

2. Pastores que subirdes
Além, pelas malhadas, ao Outeiro,
Se, porventura, virdes
Aquele a quem mais quero,
Dizei-lhe que adoeço, peno e morro.

3. Buscando meus amores,
Irei por estes montes i ribeiras;
Não colherei as flores,
Nem temerei as feras,
E passarei os fortes e fronteiras.
Pergunta às criaturas

4. Ó bosques e espessuras,
Plantados pela mão de meu amado!
Ó prado de verduras,
De flores esmaltado,
Dizei-me se por vós ele há passado!
Resposta das criaturas

5. Mil graças derramando,
Passou por estes soutos com presteza,
E, enquanto os ia olhando,
Só com sua figura
A todos revestiu de formosura.
Esposa

6. Quem poderá curar-me?
Acaba de entregar-te já deveras;
Não queiras enviar-me
Mais mensageiro algum,
Pois não sabem dizer-me o que desejo.

7. E todos quanto vagam,
De ti me vão mil graças relatando,
E todos mais me chagam;
E deixa-me morrendo
Um “não sei quê”, que ficam balbuciando.

8. Mas como perseveras,
Ó vida, não vivendo onde já vives?
Se fazem com que morras
As flechas que recebes
Daquilo que do Amado em ti concebes?

9. Por que, pois, hás chagado
Este meu coração, o não saraste?
E, já que mo hás roubado,
Por que assim o deixaste
E não tomas o roubo que roubaste?

10. Extingue os meus anseios,
Porque ninguém os pode desfazer;
E vejam-te meus olhos,
Pois deles és a luz,
E para ti somente os quero ter.

11. Mostra tua presença!
Mate-me a tua vista e formosura;
Olha que esta doença
De amor jamais se cura,
A não ser com a presença e com a figura.

12. Ó cristalina fonte,
Se nesses teus semblantes prateados
Formasses de repente
Os olhos desejados
Que tenho nas entranhas debuxados!

13. Aparta-os, meu Amado,
Que eu alço o vôo.
Esposo
Oh! Volve-te, columba,
Que o cervo vulnerado
No alto do outeiro assoma,
Ao sopro de teu vôo, e fresco toma.
Esposa

14. No Amado acho as montanhas,
Os vales solitários, numerosos,
As ilhas mais estranhas,
Os rios rumorosos,
E o sussurro dos ares amorosos;

15. A noite sossegada,
Quase aos levantes do raiar da aurora;
A música calada,
A solidão sonora,
A ceia que recreia e que enamora.

16. Caçai-nos as raposas,
Que está já toda em flor a nossa vinha;
Enquanto destas rosas
Faremos uma pinha;
E ninguém apareça na colina!

17. Detém-te, Aquilão morto!
Vem, Austro, que despertas os amores:
Aspira por meu horto,
E corram seus olores,
E o Amado pascerá por entre as flores.

18. Ó ninfas da Judéia,
Enquanto pelas flores e rosais
Vai recendendo o âmbar,
Ficai nos arrabaldes
E não ouseis tocar nossos umbrais.

19. Esconde-te, Querido!
Voltando tua face, olha as montanhas;
E não queiras dizê-lo,
Mas olha as companheiras
Da que vai pela ilhas mais estranhas.
Esposo

20. A vós, aves ligeiras,
Leões, cervos e gamos saltadores
Montes, vales, ribeiras,
Águas, ventos, ardores,
E, das noites, os medos veladores:

21. Pelas amenas liras
E cantos de sereias, vos conjuro
Que cessem vossas iras,
E não toqueis no muro,
Para a Esposa dormir sono seguro.

22. Entrou, enfim, a Esposa
No horto ameno por ela desejado;
E a seu sabor repousa,
O colo reclinado
Sobre os braços dulcíssimos do Amado.

23. Sob o pé da macieira,
Ali, comigo foste desposada;
Ali te dei a mão,
E foste renovada
Onde a primeira mãe foi violada.
Esposa

24. Nosso leito é florido,
De covas de leões entrelaçado,
Em púrpura estendido,
De paz edificado,
De mil escudos de ouro coroado.

25. Após tuas pisadas
Vão discorrendo as jovens no caminho,
Ao toque de centelha,
Ao temperado vinho,
Dando emissões de bálsamo divino.

26. Na interior adega
Do Amado meu, bebi; quando saía,
Por toda aquela várzea
Já nada mais sabia,
E o rebanho perdi que antes seguia.

27. Ali me abriu seu peito
E ciência me ensinou mui deleitosa;
E a ele, em dom perfeito,
Me dei, sem deixar coisa,
E então lhe prometi ser sua esposa.

28. Minha alma se há votado,
Com meu cabedal todo, a seu serviço;
Já não guardo mais gado,
Nem mais tenho outro ofício,
Que só amar é já meu exercício.

29. Se agora, em meio à praça,
Já for mais eu vista, nem achada,
Direis que me hei perdido,
E, andando enamorada,
Perdidiça, me fiz e fui ganhada.

30. De flores e esmeraldas,
Pelas frescas manhãs bem escolhidas,
Faremos as grinaldas
Em teu amor floridas,
E num cabelo meu entretecidas.

31. Só naquele cabelo

Que em meu colo a voar consideraste,
- Ao vê-lo no meu colo, -
Nele preso ficaste,
E num só de meus olhos te chagaste.

32. Quando tu me fitavas,
Teus olhos sua graça me infundiam;
E assim me sobre amavas,
E nisso mereciam
Meus olhos adorar o que em ti viam.

33. Não queiras desprezar-me,
Porque, se cor trigueira em mim achaste,
Já podes ver-me agora,
Pois, desde que me olhaste,
A graça e a formosura em mim deixaste.

34. Eis que a branca pombinha
Para a arca, com seu ramo, regressou;
E, feliz, a rolinha
O par tão desejado
Já nas ribeiras verdes encontrou.

35. Em solidão vivia,
Em solidão seu ninho há já construído;
E em solidão a guia,
A sós, o seu Querido,
Também na solidão, de amor ferido.

36. Gozemo-nos, Amado!
Vamo-nos ver em tua formosura,
No monte e na colina,
Onde brota a água pura;
Entremos mais adentro na espessura.

37. E, logo, as mais subidas
Cavernas que há na pedra, buscaremos;
Estão bem escondidas;
E juntos entraremos,
E das romãs o mosto sorveremos.

38. Ali me mostrarias
Aquilo que minha alma pretendia,
E logo me darias,
Ali, tu, vida minha,
Aquilo que me deste no outro dia.

39. E o aspirar da brisa,
Do doce rouxinol a voz amena,
O Souto e seu encanto,
Pela noite serena,
Com chama que consuma sem dar pena.

40. Ali ninguém olhava;
Aminadab tampouco aparecia;
O cerco sossegava;
Mesmo a cavalaria,
Só à vista das águas, já descia.

Cântico Espiritual 
Canções entre a Alma e o Esposo (Granada 1584-1586)